O segundo dia do Tríduo pascal, o Sábado Santo, é o único dia do ano sem liturgia: um dia vazio, um dia em que a história jaz no túmulo do Senhor. Contudo, nossa Profissão de Fé – o Credo – afirma que o Senhor “foi crucificado, morto e sepultado”; da sepultura ele “desceu à mansão dos mortos (aos infernos)”; e depois, “ressuscitou ao terceiro dia”. A espiritualidade litúrgica ocidental praticamente faz do Sábado Santo um dia de silêncio, de ornamentação das igrejas, deixando Jesus abandonado no sepulcro. Um dia sem sentido.
A derrota na cruz é a vitória da Cruz
Os Santos Pais da Igreja e a liturgia do Oriente meditam e celebram a realidade do “desceu aos infernos”. Deus não abandonou seu Filho, pois logo o ressuscitou no Espírito e ele, segundo o Credo, “desceu à mansão dos mortos”, antes do Aleluia da ressurreição.
Num hino litúrgico, Santo Epifânio ensina: “Hoje há um grande silêncio na terra: o Senhor morreu na carne e desceu para destruir o reino dos infernos. Foi procurar Adão, o primeiro pai, como a ovelha perdida. O Senhor desce e visita aqueles que jazem nas trevas e na sombra da morte”. Um hino de Efrém o Sírio, canta: “Aquele que disse a Adão ‘Onde estás?’ desceu aos infernos à procura dele, encontrou-o, chamou-o e lhe disse: ‘Vem, tu que és à minha imagem e semelhança! Eu desci onde tu te encontras para novamente levar-te à terra prometida’”. E reza a Liturgia siríaca: “Tu, Senhor Jesus, guerreaste com a morte durante os três dias de morada no túmulo, semeaste a alegria e a esperança entre aqueles que habitam os infernos”.
Às 15 horas da Sexta-feira santa (9 de abril do ano 30) deu-se a segunda descida do Senhor. Pela Encarnação, ele desceu e veio habitar a carne, a cultura, a história humana. Pela Morte ele continua a descida, total: às profundezas da morte, aos abismos do coração humano, ao interior da criação. Satanás viu na Cruz a arma da derrota definitiva de Deus. Cristo, porém, com essa mesma Cruz, enfrenta Satanás em todas as esferas onde ele construiu seus ninhos e o derrota definitivamente. Com sua morte, Cristo derrotou a Morte e libertou todos aqueles que lhe eram prisioneiros, iniciando por Adão e Eva. A mesma pergunta que o Pai fez no Paraíso ‘Adão, onde estás?’ Cristo faz no reino da Morte e Adão lhe reconhece a voz: a voz da Vida, a voz que ele escutava no Paraíso.
A descida à mansão dos mortos torna-se salvação de todo o cosmos: Cristo desce ao coração da terra, no coração da criação, nas zonas infernais que ocupam as profundezas humanas. É agora o Senhor dos seres celestes, terrestres e subterrâneos! (cf. Fl 2, 10-11).
Cristo continua a descer nos abismos humanos
O santo e grande Sábado continua, pois a criação tem o indescritível poder de lutar contra a Cruz, colocar-se do lado de Satanás. São os tempos históricos em que fazemos a pergunta ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’. E Deus responde: ‘Meu filho, meus filhos, por que me abandonaram?’. Não é Deus quem se ausenta: é o homem que se ausenta de Deus. Olhando a história que nos cerca podemos até dizer que os inocentes continuam a obra redentora. São eles os que mais amargam as conseqüências do pecado no mundo. Os pobres do mundo perenizam o grito da Cruz, oferecendo-se como vítimas de expiação. Continua o grande Sábado dos camponeses brasileiros, da infância abandonada, tempos esses misteriosos e que convidam ao ateísmo, pois a corrupção política, a grilagem de terras, o tráfico combatem a Cruz com a Cruz. Em nome de Deus querem matar Deus em seus filhos! O grande Sábado cósmico da poluição, do desmatamento, da destruição da natureza.
O grande Sábado é santo: Cristo continua e continuará penetrando os abismos de nosso egoísmo, de nossa história, de nossos sistemas opressores, penetrando os abismos de nossas Igrejas que da Cruz tiram o Sangue e a Oferenda e a revestem de ouro, sedas, honras e lucros. Para manter “nossas obras”, no altar se recebem oferendas que chegam manchadas pelo sangue de filhos explorados e as apresentamos como anúncios de um mundo convertido.
O grande Sábado é silencioso e santo. O primeiro som a ser escutado após seu silêncio será o som do “Aleluia!”. Aqueles que deixaram o Senhor combater Satanás no mais íntimo de seu ser gritarão, exultantes: “Aleluia! Exulte o céu e a terra! O Senhor ressuscitou!”. Num dia, esse canto será cósmico e eterno.
Pe. José Artulino Besen*
http://pebesen.wordpress.com/
http://pebesen.wordpress.com/
*O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco na paróquia Nossa Senhora Aparecida, Procasa, São José(SC).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela sua participação!
Em breve nossa equipe avaliará seu comentário e autorizará a publicação em nossa página.